domingo, 30 de março de 2014

Proposições realista e hiper-realista: desdobramentos do olhar sobre a realidade




Lee Jeffries, Homeless portraits, 2011.


O fotógrafo inglês Lee Jeffries, apareceu na rede mundial em 2011 com uma impressionante série de retrato de moradores de ruas, amplamente divulgados no site Flickr.
   Com fotografias em preto e branco que acentuavam a dramaticidade dos personagens que selecionara, conseguiu explorar ao máximo o teor comunicativo de cada retrato, humanizando cada indivíduo captado por sua lente.
Lee Jeffries (residente em Manchester, no Reino Unido,) atua como fotógrafo esportivo, e conta que a ideia de registrar moradores de rua nasceu do acaso, quando se viu fascinado pela imagem de uma jovem que dormia uma das ruas de Londres. Aproximou-se, e roubou a imagem dessa jovem (ou seja fez um registro sem o consentimento da pessoa retratada).
        Diferentemente deste primeiro retrato, as fotografias de Lee Jeffries são consensuais, o fotógrafo procura captar a subjetividade de seus modelos, humanizando-os, e trazendo-os de volta ao mundo social com uma identidade. São fotografias em close, cujo foco fixa-se no olhar dos modelos, dando maior profundidade dramática a pose. Este trabalho coloca em debate os desdobramentos do Realismo, uma tendência em arte que se caracteriza por suas fontes, pela seleção de seus temas e o contato direto com a realidade.
O realismo como gênero artístico tem suas origens na arte europeia do século (tendo os seus principais expoentes atuando entre 1850 e 1900), sobretudo na pintura francesa. E a compreensão de seu desdobramento no século XX e XXI dever ser entendido a partir dos conceitos e recursos utilizados já no século XIX que perpetuarão ao longo do tempo.
Sua aparição, se assim podemos definir, está diretamente relacionada a um contexto de crescente industrialização. Tinha como nome principal o pintor francês Gustave Courbet (1819-1877). De origem camponesa da região de Orneas, interior da França, foi viver em Paris, centro cultural da França e Europa neste período. Ao chegar à cidade em 1839 se deparou com um conturbado momento politico, social e artístico. O pensamento de esquerda povoava os debates nos cafés. Esses debates eram convertidos em artigos em jornais, poemas, panfletos e obras de arte (pinturas e gravuras especificamente). Nesse contexto, Coubert, assim como o desenhista e gravador Jean Baptiste Daumier (1808-1879) e Jean Fraçois Millet (1814-1875).




Honoré Daumier, O Vagão de Terceira Classe (67 x 93 cm), 1862.
National Gallery, Ottawa


Resume bem o ideal estético desses pintores realistas, a tela O Vagão de Terceira Classe, de Daumier (para conhecer mais o artista e a tela: http://obviousmag.org/archives/2013/11/honore_daumier_um_homem_rindo_do_seu_tempo.html ). Nessa pintura predominantemente em tons pasteis e escuros, Daumier procura retratar em linhas duras o peso da miserabilidade que oprime os personagens, são três gerações retratadas uma ao lado da outra, como se a miséria fosse uma herança, transmitida, ou que condiciona os homens a uma realidade opressiva. Deve-se notar que na composição, o plano de fundo comporta figuras que estão em outra situação, um vagão de segunda classe, e todas voltam às costas para a condição dos quatro personagens em primeiro plano. Isso é percebido pelos trajes de cada personagem.
Segundo Cavalcanti (2012) o trabalho de Daumier tinha como objetivo e origem sua vinculação política e a linguagem litográfica:

Partidário dos ideais republicanos, Daumier encontrou na litografia um lugar ideal para a defesa de seus ideais. Exibia em suas obras o estado de pobreza da população a exploração econômica da qual era vítima, e sabendo que o povo que fez a revolução foi enganado pela burguesia, esta deveria ser denunciada.

A pintura desse período foi tomada por um principio objetivo, no qual o artista deveria representar a realidade  com a mesma objetividade com que um cientista estuda a realidade. Está dado o problema central da pintura realista (e presente de forma incisiva no quadro O Vagão de Terceira Classe): a condição humana. Segundo esse princípio estético, existia o consenso de que se deveria pintar a partir de uma realidade imediata e não imaginada.
Com tal perspectiva estética os artistas realistas deixaram de pintar os temas predominantes ainda no século XIX, amplamente divulgados pela pintura acadêmica e subsidiados pelo governo francês. Entre os temas desses pintores não figuravam os tão aclamados temas bíblicos, mitológicos, históricos e literários[1].



Gustave Courbet (1819-1877)A Burial at Ornans, also called A Painting of Human Figures, the History of a Burial at OrnansBetween 1849 and 1850Oil on canvasH. 315; W. 668 cmParis, Musée d'OrsayGift of Miss Juliette Courbet, 1877© RMN-Grand Palais (Musée d'Orsay) / Hervé Lewandowski

Na pintura Enterro em Ornans, Gustave Courbet colocou em prática uma proposta de representação até então não praticada. Em 1851, ao apresentar a tela aos críticos do Salão de Paris, causou um desalinho geral. Personagens e tema, por sua natureza menor, incomodou a todos (a análise completa desse quadro pode ser assistida no vídeo disponível no seguinte link[2]: http://www.youtube.com/watch?v=Fti05A_ZdsY), com uma crueza avassaladora Courbet retratou em suas particularidades cada um dos personagens, não eram somente imagens, mas representações de indivíduos viventes, reconhecíveis, e o buraco no primeiro plano deslocava no quadro as atenções para uma materialidade da ação.
  Percebe-se nos temas e na proposta estética desses artistas a tentativa de debater, ou melhor, denunciar as contradições da industrialização, de apresentar através da arte a parcela social consumida e desumanizada pela nova lógica produtiva. O centro temático da produção realista voltou-se para o individuo, camponês, operário. Era uma contraposição a ostentação burguesa.


Desdobramentos parte I – traumas de um início de século


A arte realista no século XX, ao contrário do que acabamos de discutir sobre a do século XIX, deve ser pensada a partir de figuras individualizadas. Entretanto, compete ressaltar que o século XX, por suas tensões teve períodos em que essa tendência esteve em alta, como no período entre-guerras (MALPAS, 2001).
A concepção realista que adentra o século XX não é uniforme, o que esses artistas manterão em comum envolverão tendências de aspectos regionais.

Walter Richard Sickert (1860 - 1942)
A dançarina em vestido verde – Marie, 1916


  Na Inglaterra, essa tendência entre os anos de 1900 a 1940, correspondia a uma tentativa de aproximar as concepções artísticas inglesas às vanguardas que ocorria no continente. É no grupo de Camden Town, que os temas realistas passam a predominar. Tendo Walter Sickert (1860-1942) como principal expoente (obra acima), os trabalhos desses pintores tenderam ao cotidiano, a um certo “mau gosto”.
Especificamente, não havia entre esses pintores uma exigência  que não fosse o registro das cenas presenciadas. Dentre os pintores do período, muitos irão retratar os fronts de batalha da Primeira Guerra, Stanley Spencer (1891-1959) dentre eles é o que destacará, ao tentar retratar em suas telas o interior do conflito bélico, a condição humana.



Stanley Spencer, Travoys Arriving with Wounded at a Dressing Station at Smol, Macedonia, September 1916, 1919, Oil on canvas, 183 x 218.5 cm. Imperial War Museum, London.


  De acordo com Malpas (2001), no início dos anos de 1930, surgiram dois grupos fortemente ligados a correntes abstratas (o Seven and Five Abstract Group e o Unit One), em Londres também foi forte a relação com o surrealismo. Ainda nessa década, notou-se uma reação da pintura realista. Encabeçados pelos artistas da Euston Road School (instituição fundada e, 1937 por Victor Pasmore, Claude Rogers e William Coldstream), que enfatizavam como tema cenas da vida cotidiana de Londres, além do nu, tudo a partir da observação direta.


Victor Pasmore, The studio of Ingres (1945-47)

Claude Rogers, O paciente oposto, 1952
 tela pintada no período em que o artista esteve internado no hospital St Mary, Paddington, em 1952.
Comprado das galerias de Leicester (Fundo Kerr) 1954. 


William Coldstream, nu sentado, 1952-3
Dimensões 106 x 70 cm


Influenciados pela situação econômica adversa dos anos de 1930, esses artistas adotaram o realismo em suas atitudes politicas e sociais, na esperança de levar a arte a um público mais amplo do que aquele alcançado pela vanguarda (MALPAS, 2001, p. 25).
Com as propostas de vanguardas predominando no cenário artístico europeu, a visão de realidade se desloca do perceptível para o interior do quadro, ou seja, a realidade estará no próprio quadro (tal perspectiva abre um outro campo de debate, o qual não tratarei agora). Na França do entre-guerras, o realismo perdido em meio as muitas tendências de vanguardas existentes, encontra no trabalho de André Derain (1880-1954) uma forma de persistência. Derain foi um dos lideres do movimento fauvista, o que lhe favoreceu a se tornar uma das figuras mais influentes na pintura do período. Derain acreditava que a arte era atemporal e que sua função estava em revelar significados por meio do mundo real que possuíam ou podiam receber por meio do pintor um sentido simbólico.


André Derain, Funeral, 1899, 45 x 35 cm, óleo sobre tela.


  Compete ressaltar (e talvez as linhas que escrevo irão tornando mais clara essa perspectiva) que o realismo ao longo do século XX, como bem mencionou Malpas (2001) se esmera pelos nuances das pesquisas plásticas das vanguardas, predomina em fases, principalmente no qual o contexto histórico implica em situação de opressão social e decadência econômica. Na Alemanha pós Primeira Guerra não foi diferente. Neste período surge a Nova Objetividade, uma vertente artística altamente conscientizada do contexto histórico no qual estavam inseridos, e acima de tudo, do papel da arte nessa trama. Nesta perspectiva, retomou-se a observação da vida cotidiana como tema em arte. Isso levou a mudança de atitude de diversos artistas, ainda nos anos de 1920, dentre eles, Otto Dix (1891-1969) e Georg Grosz (1893-1959), voltando suas reflexões satíricas para as condições de vida apresentadas nas ruas.
Dix se destaca pelas figuras de seus veteranos. Sendo ele também um veterano de conflito, trazia consigo as marcas da guerra, em suas memórias e seus traços. Suas figuras caricáticas registram os dramas humanas vividos durante e após a Primeira guerra Mundial.


Otto Dix, Batalha tropas em retirada cansados, desenho1924, Natinonal Gallery fo Australia.


No desenho acima, retrata o avanço das tropas britânicas que culminou em um extermínio de milhares de homens diante da guerra mecânica.  São farrapos humanos, vestem trapos, percebe-se nos traços das figuras a exaustão do combate, mas antes de tudo, são homens. 

Georg Grosz, Metropolis, 1917, 68 x 47,6 cm.


    Nesse quadro pintado após um colapso mental, Grosz apresenta a cidade como um caos, os tons de vermelho azul e roxo reforçam esse ambiente sombrio. Os espaços se sobrepõem. Tudo está em convulsão.
    Assim como Dix, Grosz é um ex-combatente, e em seu trabalho essa leitura caótica da realidade torna-se uma constante.


Georg Grosz, suicídio, 1916

    As perversões da noite de Berlim foram  temas de artistas como Gosz, Dix, Georg Scholz e Christian Schad. Um ambiente insalubre rodeado por prostitutas estereotipadas e clientes que transpiram sua decadência moral. São pinturas que de forma emblemática sintetizaram a sátira mordaz dos anos de 1920 na Alemanha.
  Durante os anos de 1930, a atitude dos nazistas diante da Nova Objetividade foi de repúdio, pois as preferências estéticas predominantes nessa ideologia política recaia sobre uma arte propagandística de tendência romântica. Para termos a dimensão desse repúdio, Hitler em 1935, condenou a palavra objetividade, sendo o movimento condenado dois anos antes como subversivo. Pois a estética da Nova Objetividade rumava em posição contrária a visão nazista, em seus trabalhos esses artistas condenavam o mundo moderno, a sua maquinaria e a desumanização decorrente desse processo.
  Neste período, do outro lado do oceano, nos Estados Unidos da América, o envolvimento desse país na Primeira Guerra, criou um espirito de rejeição americana à Europa e aos assuntos europeus. Na arte, isso resultou em uma ênfase em temas norteamericanos abordados por uma forte linguagem realista.
  Esse período é marado por uma arte regional que ora se remete a experiências locais ou nacionais. Teve como expoentes Thomas Hart Benton, John Steuart Currey e Grand Wood. Entretanto, o grande expoente da arte realista do período foi Edward Hopper (1882-1967), com temas mais domésticos e psicológicos, pouco se remetendo ao cenário industrial e aos artefatos modernos (mais sobre esse artista no link: http://obviousmag.org/archives/2011/07/edward_hopper_o_pintor_da_solidao.html ).


Edward Hopper, Nighthawks de 1942
Óleo sobre tela, 84,1 x 152,4 centímetros (33 1/8 x 60 cm)


    Edward Hopper, nasceu em Nyack, Nova York, uma cidadezinha situada no lado leste do rio Hudson, em família de classe média, situação que favoreceu o incentivo a seus estudos artísticos. Em bora sua obra seja reconhecida por seus trabalhos a óleo, foi a gravura que o fez despontar na carreira. O trabalho de Hopper é atravessado por um estilo completamente pessoal, suas figuras são delineadas por uma iluminação fortíssima, adotando um ponto de vista quase que cinematográfico. Os ambientes criados em suas composições são silenciosos, mesmo sob a presença humana.

     Nas estações desertas de gás, trilhos de trem, e pontes, a ideia da viagem é cheia de solidão e mistério. Outras cenas são habitados por uma única figura pensativa ou por um par de números que parecem não se comunicar com o outro. Essas pessoas raramente são representadas em suas próprias casas, em vez disso, eles passam o tempo no abrigo temporário de cinemas, quartos de hotel ou restaurantes (http://www.artic.edu/ 2013).

       Na pintura Nighthawks (1942), Hopper ilustra bem esse ambiente melancólico das relações humanas e da absorção do espaço, os quatro personagens habitam um ambiente interior de uma lanchonete, fortemente iluminado. São figuras carregadas por seu cansaço, presas em suas introspecções (mais sobre as características da obra de Edward Hopper em: http://www.youtube.com/watch?v=oGsmhUQNZf0 
http://www.youtube.com/watch?v=ZGQ1UWHseLA  http://www.youtube.com/watch?v=xYHLrE0UdYo  http://www.youtube.com/watch?v=3xigVj0Lqb4 – o vídeo está em espanhol e dividido em quatro partes de aproximadamente 14 minutos).


O pós guerra

  Muito do que se produziu em arte após 1945 foi a partir da filosofia existencialista, particularmente a produzida na França. Os terrores da Segunda Guerra Mundial passaram a fazer coro na pintura de escultura de artistas desse período. Destacam-se os trabalhos de Antonin Artaud, Henri Michaux, Bram van Velden, Giacometti e Francis Bacon. As pinturas, como estilo se apropriavam e muito da linguagem expressionista, para transmitir a carga emocional que desejavam.
   Entretanto, neste período despontaram dentro da tendência realista, os pintores Francis Bacon e Lucian Freud. Os retratos do pintor irlandês Francis Bacon (1909-1992) são a expressão máxima do horror. Figuras distorcidas, dilaceram a identidade dos personagens.

Francis Bacon, Study after Velazquez's Portrait of Pope Innocent X, 1953
  
Já Lucian Freud (1922-2011), um pintor de natureza expressionista (apesar de o próprio nunca ter se assumido como integrante de nenhum movimento artístico) que procura expor em seus retratos a psique e a carne humana, ao retratar o corpo de uma forma mais intensa e voluptuosa. Seu exercício de pintura estendia-se por longas horas levando os modelos ao fadigamento.

Lucian Freud, Man´s head (self potrait), 1963, Oil on canvas
53,3 x 50,8 cm, Whitworth Art Gallery, University of Manchester, England

Costumava olhar o modelo durante muito tempo, como se procurasse penetrar em sua alma. Aproximava-se e espreitava, para tentar apanhar todas as rugas, traços e características físicas.
O próprio Freud explicou porque o fazia: "Quero que a tinta funcione como carne, que os meus retratos sejam as pessoas e não parecidos às pessoas".



Lucian Freud, Man in a chair - 1983/85
Oil on canvas, 120.7 x 100.4 cm
Thyssen-Bornemisza Collection, Lugano, Switzerland
(The sitter is Baron Thyssen-Bornemisza)

  A partir dessa definição de Freud, podemos retomar ao problema inicial desse texto, os retratos dos moradores de rua realizados por  Lee Jeffries. E a partir disso estabelecermos algumas indagações que viabilizam a construção histórica do pensamento realista.
  Quem são esses personagens captados pelas lentes de Jeffries? Qual o tema por detrás desses rostos? Qual o papel assumido pelo artista e consequentemente pela arte ao assumir tal tema? Como o tema social se cruza no estético da imagem fotográfica?


Desdobramentos parte II – de Realismo a Hiper-realismo não é um mero jogo de palavras

O hiper-realismo como gênero artístico tem a sua origem na pop art californiana dos anos de 1960. Esta tendência plástica pode ser definida como um gênero de pintura e escultura semelhante às fotografias de alta definição. Ou seja, pela valorização dos pormenores da imagem. Pelos métodos de trabalho, comuns entre os artistas desta tendência plástica, o hiper-realismo também é considerado como um avanço no desenvolvimento do Fotorrealismo, ou seja, a imagem é criada a partir de uma outra imagem (na grande maioria das vezes usam a pose fotográfica como referência).
Os artistas utilizam aparelhos tecnológicos como projeção de slides e o airbrush, nos quais resultam destes trabalhos, pinturas que se confundem com fotografias e esculturas que se confundem com pessoas. O artista hiper-realista, se faz valer da técnica clássica de perspectiva e desenho e a preocupação minuciosa com detalhes, cores, formas e textura. Utiliza-se de cores luminosas e pequenas figuras incidentais, que passariam desapercebidas em uma observação mais geral (MALPAS, 2001), como podemos ver nos trabalhos do pintor norteamericano Denis Peterson.


Denis Peterson, pintura acrílica sobre tela.

Denis Peterson é um artista descendente de armênios que mora atualmente em Nova York. Define-se como um pintor hiper-realista, que procura expressar minúcias da realidade a partir de suas pinturas. Sua importância na arte se deve além de seus temas, ao seu pioneirismo nas técnicas hiper-realistas exploradas na arte norteamericana desde as décadas de 1960 e 1970.
Utiliza a fotografia como meio para apreender todos os detalhes que intenciona reproduzir em suas telas. Após fotografar o tema Peterson amplia a imagem inúmeras vezes, para conseguir tornar legível todos os detalhes da imagem.
Sua pintura é à base de tinta acrílica, geralmente se faz valer de airbrush, mas também trabalha com pincéis. Devido ao esmero detalhista de suas composições, cada quadro de Peterson leva aproximadamente um mês para ser concluído. Suas temáticas envolvem questões relacionadas às minorias sociais, os moradores de rua, o cotidiano e a paisagem urbana e as vítimas da pobreza e da violência no continente africano.


Denis Peterson, pintura acrílica sobre tela.

Em seus retratos da série Don’t Shed Tears (nenhuma lágrima), os olhares dos personagens parecem dividir sua dor com o expectador. Tornando impossível não que esta não compadeça de seu sofrimento. A respeito desta série, Peterson em uma entrevista ao jornal digital Emptykingdom.com em abril de 2011 afirma que:

Can you tell us about the motivation behind Don't Shed No Tears?A verdade é que inicialmente eu estava interessado em pintar indivíduos em trajes mais sofisticados (...) Quando comecei a explorar outras culturas, era como "oh não, você não, olha aqui, em vez e não negar a si mesmo ". Então, com essa brusca virada na estrada, minha atenção voltou-se para as atrocidades no Haiti, Darfur, Quênia, Etiópia, Ruanda, Armênia e, finalmente, Camboja.  Comecei a ler tanto quanto eu poderia encontrar, sobre os genocídios atuais. Li materiais escritos por fotógrafos, grupos humanitários, museus genocídio, universidades e sim, até mesmo a ONU. Embora o foco foi sobre os refugiados, prisioneiros de guerra e vítimas de genocídio, minha motivação era trazer não a atenção para seu sofrimento, mas ao seu espírito indomável.  Desta forma, eu poderia transformar cada pintura em uma celebração da vida. 

Suas pinturas mais recentes abordam como tema a cidade de Nova York e seus personagens.  
 Seu foco neste conjunto de temas centra-se exclusivamente no espetáculo do cotidiano novaiorquino, mais especificamente no centro de Manhattan em torno da 8ª Avenida. 
A publicidade, as fachadas dos edifícios, os postes, os sinais de trânsito assim como outros elementos da paisagem urbana são amplamente expostos nestas composições. Porém, os retratos não perderam o apelo social, pois seu foco é a contradição do espaço urbano, os moradores de rua da Big Apple.
 Seguindo a linha de Lucian Freud, a arte contemporânea do retrato tem a pintora britânica Jenny Saville (1970) que com seus retratos de nus “crus” promove em muitas situações o constrangimento do observador.
  Saville estudou arte na Glasgow School of Art em 1988, período em que o empresário de arte Charles Saatchi iniciara uma série de compras de trabalhos de jovens artistas britânicos que resultariam em 1997 na polêmica exposição Sensation (na Royal Academy).
Desta relação com Saatchi, Saville viu-se possibilitada em colocar em prática seu projeto plástico.


Jenny Saville,Plano, 1993, óleo sobre tela, 9 'X 7'
































Suas pinturas são mulheres obesas escarneadas em ângulos nada convencionais, com corpos marcados por inscrições ou linhas que criam uma topografia destas figuras.

As linhas em seu corpo são as marcas que eles fazem antes de você fazer lipoaspiração. . Eles traçam essas coisas que parecem alvos.  Eu gosto dessa idéia de mapeamento do corpo, não necessariamente áreas a serem cortadas, mas gosto de contornos geográficos em um mapa.  Não traçar o corpo.  Eu queria essa ideia de corte em minha pintura.  Como  se você fosse cortar para dentro do corpo. Ela evoca a idéia da cirurgia. Essas linhas têm uma quantidade enorme de conotações.  (...) A cabeça é a minha. Na verdade, esta pintura é realmente baseado em mim.  Eu uso-me o tempo todo porque é muito confiável, você está lá o tempo todo.  Eu gosto da ideia de me usar, porque isso me leva para o trabalho.  Eu não gosto da ideia de ser apenas a pessoa que procura.  Eu quero ser a pessoa. Porque as mulheres foram tão envolvidas em ser o sujeito-objeto, é muito importante ter isso em conta e não ser apenas a pessoa a olhar e examinar. Você é o artista, mas você também é o modelo. Eu quero que o trabalho seja consistente o tempo todo. (SAVILLE, 2004[3])

A partir de um mosaico de fotografias realizadas por ela de seu próprio corpo e de fragmentos de corpos de amigos e ilustrações de livros de medicina, Saville inicia suas pinturas se remetendo a uma autoimagem emprestadas aos corpos volumosos que compõe em telas monumentais. Declara-se como uma pintora de carne, ou melhor, de tipos de carne, talvez o que realce a natureza crua de suas criações.
A pintora se faz modelo de sua própria arte, o que sobra dos outros modelos são apenas fragmentos, logo se pode afirmar que a sua pintura é um autoexame estético, uma reorientação do olhar sobre o próprio corpo, ou a idéia que se tem do mesmo.
Seus retratos têm o desenho direto sobre a pintura, sem esboços.
Essa brutalidade dos corpos femininos reflete o posicionamento crítico de Saville frente ao idealismo masculino entorna da beleza da mulher.

Eu não acho que haja nada de errado com a beleza.  É apenas o que as mulheres acham que é bonito pode ser diferente.  E não pode haver uma beleza no individualismo?Se houver uma verruga ou uma cicatriz, isso pode ser bonito, em um sentido, quando você pintar. É parte de sua identidade, as coisas individuais estão vazando, vazando para fora. (SAVILLE, 2004[4])

Logo seus retratos são mulheres gordas, imensas, distantes dos padrões de beleza instituídos pela indústria da moda e da beleza. Nota-se em seus retratos uma clara definição das extremidades a serem observadas, os personagens de suas telas têm seus corpos predominantes em quase toda a área pictórica, porém, este predomínio corpóreo se limita as genitálias e as aberturas faciais (como afirma a artista). 


Jenny Saville, Branded, 1992, 7 'X 6'

As tonalidades de cores trabalhadas nestes quadros tendem a tons avermelhados que retiram da imagem as suas conotações eróticas, colocando o público frente a frente com a condição humana, com aquilo que é individualizado na sua diferença, no caso destes retratos, os seios grandes, as estrias, as inscrições, a obesidade e a própria crise da identidade sexual (como podemos ver na imagem abaixo).

Pinturas monumentais Jenny Saville chafurdar na glória de expansividade. Jenny Saville is a real painter's painter. Jenny Saville é uma pintora do real. She constructs painting with the weighty heft of sculpture. Ela constrói a pintura com o peso pesado da escultura. Her exaggerated nudes point up, with an agonizing frankness, the disparity between the way women are perceived and the way that they feel about their bodies. Seus nus exageradas apontam para cima, com uma franqueza dolorosa, a disparidade entre a forma como as mulheres são percebidas e da maneira que eles se sentem sobre seus corpos. One of the most striking aspects of Jenny Saville's work is the sheer physicality of it. Um dos aspectos mais marcantes do trabalho de Jenny Saville é o físico completo dela. Jenny Saville paints skin with all the subtlety of a Swedish massage; violent, painful, bruising, bone crunching. Jenny Saville pinta a pele com toda a sutileza de uma massagem sueca, violento, doloroso, trituração, contusão óssea. (SCHAMA, 2010[5])

 Sua obsessão com os corpos femininos dizem respeito ao seu posicionamento diante de uma reinvenção da figura da mulher e da feminilidade, e tem o seu próprio corpo expandido e deformado como referência, em uma nova conjuntura da ideia do autorretrato, como algo crítico. 
Outro grande mestre do hiper-realismo atual é Ron Mueck, um escultor australiano, nascido em Melbourne (1958), e filho de fabricantes de brinquedos. Cresceu em meio à fabricação destes brinquedos, talvez o que justifique o seu inicio de carreira como fabricante de bonecos para publicidade. Neste ramo, dos títeres, dos bonecos e das réplicas (nos quais se especializou), ainda no ramo da publicidade, passou a atuar também na produção de efeitos especiais.
Sua carreira se estendeu até os estúdios norteamericanos, quando lá, por seis meses, colaborou com efeitos especiais no Muppet Show e em Sesame Street. Antes de seguir para Londres em 84. Em Londres, trabalhou no Dreamchild (1985) e Labyrinth (1986 – filme com a participação de David Bowie).





Wild Man”, Ron Mueck“, 2005,
exposição na National Gallery of Victoria,
Melbourne, Austrália, 2010.

Após Labyrinth, Mueck criou em Londres uma pequena empresa especializada em objetos e efeitos especiais para atender às solicitações de agências publicitárias.

Sua carreira no mundo das artes, principalmente como o maior nome contemporâneo da escultura hiperrealista, se iniciou em 1996, quando, sua sogra Paula Rego, pediu-lhe que esculpisse um Pinnochio.

Esta peça serviria de modelo para que Paula realizasse uma pintura que seria apresentada à Haward Gallery, na exposição denominada Spellbound. Ainda neste ano o publicitário e empresário Charles Saatchi, ao verno ateliê de Paula o Pinnochio esculpido por Mueck, encomendou-lhe quatro esculturas para a exposição Sensation: Young British Artist from the Saatchi Collection a ser apresentada na Royal Academy of Arts em Londres em dezembro de 1997. 
Entre estas esculturas Saatchi incluiu a pequena escultura em resina intitulada Dead Dad  (1996-7).

“Dead dad” (close na escultura), Ron Mueck, 1996-7,
exposição na National Gallery of Victoria, Melbourne, Austrália, 2010.

  Dead Dad foi esculpida de memória em fibra de vidro. A escultura é de verossimilhança assustadora. A cor, a textura, as imperfeições da pele, as rugas, detalhes como as unhas, as sobrancelhas, os cabelos, fazem de Dead Dad um marco na história da escultura moderna e contemporânea. 
A imagem reduzida do corpo de um adulto, com todas as marcas da idade, morto, provoca no mínimo sentimentos e emoções conflitantes. O seu tamanho reduzido provoca sensações de estranhamento.
Outro marco importante em sua carreira foi a Bienal de Veneza de 2001 Mueck foi o grande destaque. Sua escultura, Crouching Boy (Menino Agachado), exposta no Arsenale, espaço reservado aos jovens artistas, capitalizou todas as atenções. Os cinco metros de altura do menino agachado sob o telhado do Arsenale , entre as coluna, criavam uma estranha sensação de distância e ao mesmo tempo de intimidade total. Mostrando todo o potencial do artista em seu trato com a escala de suas peças.
David Hurlston (2010), curador de arte da National Gallery of Victoria, disse a respeito da obra de Ron Mueck que suas escultura ilustram a condição humana do nascimento à morte.

Esculturas de Mueck variam de puckish retratos da inocência da infância a aguda observação de fases da vida, do nascimento à adolescência, média e dos idosos, e até mesmo a morte. Muitos são figuras solitárias, retratos psicológicos de intensidade emocional e de isolamento.

Sobre a sua técnica de trabalho Mueck revela que passa muitas horas observando seus modelos de barro. Para melhorar a sua capacidade de observação, Mueck fotografa estas peças, as observa através de espelhos. Sobre o material explorado na montagem das peças, Mueck utiliza silicone, fibra de vidro, próteses de unha, olhos e dentes, assim como cabelo sintético.
O hiper-realismo entre os escultores apresenta outros nomes de igual relevância. Destacam-se o também australiano Sam Jinks, os americanos Duane Hanson, Marc Sijan e Evan Penny.





Sam Jinks © - Untitled (Baby), 2007 - silicone, pintura e cabelo humano - 76 x 53cm

Sam Jinks vive e trabalha em Melbourne, na Austrália. Sua obra consiste em criar esculturas hiper-realistas em silício.
Sua experiência com este tipo de material e linguagem remonta a onze anos de trabalho em cinema e televisão, criando feitos especiais.
Somente há pouco mais de cinco anos dedica-se a uma linguagem plástica própria, desenvolvendo uma poética que tanto técnica como temática, o aproxima de Ron Mueck.
Tecnicamente suas peças nascem a partir de pequenas maquetes, ou de versões reduzidas de suas esculturas em tamanho real. O princípio de produção é sempre a argila, que posteriormente será revestida de uma moldura para que assim possa ser moldada e fundida em silicone. Extraído o molde revestido em silicone, a peça terá adicionado cabelo e cor.
Nessa tendência da qual a realidade ou a representação da realidade são mediadores e tema da criação artística, apresentam-se inúmeros artistas. Todavia, o que procuro demonstrar até aqui foi como a realidade seja ela em sua complexidade de relações, ou em seus ciclos e texturas, transformou-se um tema presente em trabalhos de artistas desde década de 1850.



Referencial bibliográfico
Jardel Dias Cavalcanti. Honoré Daumier:  arte e política na temática das  obras Emigrantes e Fugitivos. Revista-Valise, Porto Alegre, v. 2, n. 3, ano 2, julho de 2012.

CANTON, Kátia. Tempo e Memória – temas da Arte Contemporânea. São Paulo, Martins Fontes, 2009.

CASTENEDA, Maria J. So Terrible, Terrible, Terrifically Fat: rething Jenny Saville’s Grotesque – Female’s bodies. Dissertação em História da Arte, Califórnia State University, Long Beach, 2009.

CRIPPA, Giulia. O grotesco como estratégia de afirmação da produção pictórica feminina. Rev. Estud. Fem. [online]. 2003, vol.11, n.1, pp. 113-135. ISSN 0104-026X.  http://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2003000100007.

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Evan Penny Evan Penny by Joe Houston por Joe Houston. Revew & enssay.






[1] Sugestão de filme e leitura, Germinal, filme baseado na obra de Émile Zola: http://www.youtube.com/watch?v=vzVSlxWyxdc
Sinopse:
O filme retrata o processo de gestação e maturação de movimentos grevistas e de uma atitude mais ofensiva por parte dos trabalhadores das minas de carvão do século 19 na França em relação à exploração de seus patrões. 
Direção: Claude Berri 
Ano: 1993 
País: Bélgica, Itália, França 
Gênero: Drama 
Duração 170 min. / cor
Título Original: Germinal

Apresentação do livro pela Companhia das Letras: Um dos grandes romances do século XIX, expressão máxima do naturalismo literário, Germinal baseia-se em acontecimentos verídicos. Para escrevê-lo, Émile Zola trabalhou como mineiro numa mina de carvão, onde ocorreu uma greve sangrenta que durou dois meses. Atuando como repórter, adotando uma linguagem rápida e crua, Zola pintou a vida política e social da época como nenhum outro escritor. Mostrou, como jamais havia sido feito, que o ambiente social exerce efeitos diretos sobre os laços de família, sobre os vínculos de amizade, sobre as relações entre os apaixonados.
Germinal é o primeiro romance a enfocar a luta de classes no momento de sua eclosão. A história se passa na segunda metade do século XIX, mas os sofrimentos que Zola descreve continuam presentes em nosso tempo. É uma obra em tons escuros. Termina ensolarada, com a esperança de uma nova ordem social para o mundo.


[2] Este vídeo tem 30 minutos de duração, pertence à sério La sept-art, produzido pela Palette Producion em 1996.
[4] ibidem cit. 5.
[5] Sobre a exposição individual de Saville na Saatchi Gallery em 2010.