domingo, 25 de maio de 2014

As vanguardas artísticas europeias (1905-1928): uma mudança na percepção da realidade e da form



Cena de Tempos Modernos.

No filme “Tempos Modernos” de 1936 do ator e diretor inglês Charles Chaplin, em seus primeiros minutos, estabelece-se uma síntese da modernidade e o seu principal signo: o relógio (assista ao filme na integra: https://www.youtube.com/watch?v=0gY0JR6s38g ). O filme começa como a imagem de um relógio tendo como som ao fundo, uma sirene. Ambos indicam o início ação (sequência que se repetirá ao longo do filme). É o tempo mecânico, fragmentado. Na sequência desta cena, ovelhas transitam em um pequeno corredor. Essa imagem tem uma sobreposição de um conjunto de pessoas (que tal qual as ovelhas) sobem dos túneis do metro alienadas e passivas para os corredores de acesso a linha de produção.

O tema do filme é direto, a escravidão humana diante das máquinas, ou melhor, da modernidade. Mas quem é esse escravo? Como essa escravização se dá? São as respostas que Chaplin vai construindo ao longo dos oitenta sete minutos do filme. Essas indagações não são novidades na Arte e na Literatura (como já vimos nos estudos sobre o Realismo e seus desdobramentos nos séculos XIX e XX), mas ganham no século XX, um espaço cada vez maior para discussão tanto nas artes plásticas, quanto no Teatro e no Cinema.



Rivoli Theater, Nova Iorque,  Estados Unidos

O século XX, é um período de consolidação de uma série de conquistas tecnológicas eu impulsionaram  o estilo de vida de parte da sociedade, o progresso industrial, mas em contrapartida, absorveu significativamente uma grande parcela da sociedade europeia em suas miseráveis linhas de produção (e é disso que o filme Tempos Modernos trata). Isso acentuou as diferenças entre a alta burguesia e o proletariado, tensão esta vista pelas lutas sindicais que passam a interferir incisivamente neste modelo de sociedade industrializada. No cenário político, conturbações como a Primeira Guerra Mundial, a Revolução Russa e o surgimento do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha assolaram as primeiras décadas do século XX. O que se pode concluir desta pequena introdução, é que a Europa deste período vive um paradoxo classificado como modernidade. E a arte como produto de seu tempo não poderia ser diferente, desde segunda metade do século XIX já vinha manifestando em suas composições, o olhar dos homens deste período. E é isso que são os artistas, homens presos ao seu período histórico, que o leem a partir de suas subjetividades. E a arte do inicio do século XX, reflete bem essa definição.


O que são as vanguardas?

Edvard Munch, Puberdade 1895; Óleo sobre tela, 150 x 110 cm; 
Nasjonalgalleriet (National Gallery), Oslo

            Em arte é uma ilusão acharmos que um período que se estabelece corresponde a uma evolução, ou uma substituição do período anterior. A arte que irá se estabelecer no século XX não é uma evolução da arte do século XIX, mas sim a manifestação concreta de rupturas (ideológicas, espirituais e culturais) dos valores sociais, culturais e estéticos predominantes no século XIX. Segundo Mario Micheli (1991), o século XIX europeu conheceu uma tendência revolucionária em torno da qual se organizaram o pensamento filosófico, literário, a produção artística e a ação dos intelectuais (em arte poderíamos pensar o Realismo e seu engajamento e o impressionismo e a sua transformação na concepção da pintura e na relação com a cor).

            Outro aspecto relevante para a compreensão das vanguardas, está no que Micheli chama de “decadentismo”, ou seja, grande parte dos artistas de vanguarda, sentem-se incomodados com a situação cultural e social dada, o que os leva a abandonar a sua classe social de origem. Tal ação os colocava confortavelmente em confronto com os valores sociais de época, ou melhor, com a moral burguesa. É um impulso revolucionário que os coloca em oposição a ordem vigente, isso fica evidente na passagem abaixo:


Nesses artistas, portanto, os mitos do selvagem e do primitivo fazem parte de uma busca insistente para encontrar a si mesmo a sua felicidade, a sua natureza de homens, longe da hipocrisia, das convenções, das corrupções. Houve época em que, no fervor de uma história revolucionária, havia sido possível esperar a changer la vie. (...) agora, desfeitas aquelas esperanças, era preciso encontrar em outra parte uma condição que não fora possível criar dentro das fronteiras da Europa. Nessa situação até mesmo o mais angustiado grito de Rimbaud encontra explicação: “A verdadeira vida está ausente. Nós não estamos no mundo”. E quando essa operação também resultar vã, só restará tentar outros caminhos e procurar a liberdade no sonho ou no silêncio do próprio eu ou em situações metafisicas. (MICLHELI, 1991, p. 45)

              Soma-se ao decadentismo, o primitivismo e o negrismo presentes nas ideologias estéticas dos movimentos de vanguarda. Tanto o primitivismo quanto o negrismo correspondiam a uma busca pelo exótico, pelo diferente. Esse posicionamento não era meramente especulativo, mas politico, ideológico. Era uma repulsa a cultura europeia ocidental que chegava a negar a herança figurativista que historicamente constituiu a arte ocidental. Era a busca  de um estado de pureza da arte (devemos lembrar o contexto histórico destes artistas: o colonialismo, o inchaço dos centros urbanos, a industrialização e a precariedade nas condições de trabalho e o período de fortes conflitos armados entre nações), a procura por uma linguagem fora da tradição europeia.

Pablo Picasso, Les Demoiselles d”Avignon, 1907.

              O exemplo desta pesquisa formal na arte primitiva e negra é a  tela Les Demoiselles d’ Avignon (1907) do pintor espanhol Pablo Picasso, na qual o pintor deixa transparecer nas figuras a influência do geometrismo estilizado da arte africana em seus personagens. Considerada uma ruptura na pintura ocidental do século XX, Les Demoiselles d’Avignon, causou já em sua primeira aparição um grande furor no mundo da arte, visto as rupturas (com a perspectiva linear e o conceito de representação) e as influências presentes em sua composição (arte da Oceania e arte tribal africana)[2]. A pintura em si, levou nove meses para ser concluída, Picasso elaborou centenas de esboços e estudos em sua preparação. Sobre as influências do quadro, residem as maiores controvérsias, pois o artista reconhece a importância da arte espanhola e da escultura ibérica na composição negando a influência da arte tribal africana no trabalho. Todavia, essa influência é evidente, e quase um consenso entre seus críticos. Pois Picasso havia visitado na primavera de  1907 o Musee d’Ethinographie du Trocadero, tendo contato com a exposição de arte tribal africana, meses antes de concluir a pintura.


Sala Oceania, Musee d’Ethinographie du Trocadero (Hoje Museu do Homem), Paris, 1895.


              É nesse contexto complexo do início de século, que surgem os movimentos artísticos que receberam na história da arte a denominação de vanguardas artísticas; são eles: o expressionismo, o cubismo, o fauvismo, o abstracionismo, o futurismo, o dadaísmo e o surrealismo. Movimentos que expressavam uma nova leitura da realidade e, consequentemente da forma artística até então compreendida pelo homem.
 
O expressionismo

            Como apresentado na introdução deste texto, o entrar no século XX foi um período de contradições sociais profundas na Europa. A ilusão de progresso e modernidade, que gerou em um setor da sociedade uma sensação de bem estar  e felicidade, era a marca do entusiasmo burguês em sua fase de prepotente desenvolvimento econômico. Mas será que essa sensação de bem estar afetava a todos?
            Pelo o que vimos até aqui, a resposta é obvia: NÃO.

Karl Scmitdt-Rottluff[3], duas mulheres, 1912, oleo sobre tela,
Dimensões: 765 x 845 mm Moldura: 912 x 950 x 64 milímetros

O Expressionismo, primeiro dos movimentos de vanguarda que eclodiram na Europa deste período, se vê tomado por artistas que não compartilhavam dessa visão otimista de mundo. Muitos destes jovens artistas (e outros já mais experientes) estavam influenciados pelo pensamento do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), no qual as certezas morais das tradições, o homem como um ser inacabado e angustiado, acabaram por colocar em xeque o bem estar burguês (o decadentismo pregava o abandono desta visão de mundo) e penetrar em suas obras (sobre sua filosofia, assista ao vídeo produzido pela BBC: “Humano, Demasiado Humano” – no link: https://www.youtube.com/watch?v=TznwyQRHDwE ). Tal influência filosófica, viabilizou também a organização destes artistas em grupo, como o caso do Die Brücke, em Dresden (1905). Deste grupo faziam parte Ernst Ludwig Kirchner, Erich Heckel e Karl Scmitdt-Rottluff.

Oskar Kokoschka[4] (1886-1980), Polperro II, 1939, óleo sobre tela.
Dimensões: 606 x 864 mm Moldura: 761 x 1026 x 86 milímetros

O expressionismo é um movimento de protesto. É antipositivista, antinaturalista e antiimpressionista. Essa posição  “anti” da arte expressionista pode ser facilmente compreendida por suas buscas, enquanto que para o naturalismo e impressionismo, a realidade era algo a ser observado e pintado, para os artistas expressionistas o que se buscava era expressar as emoções humanas e interpretar as angústias que caracterizavam psicologicamente o homem do início do século XX. Experiência pictórica que já havia sendo desenvolvida com pintores como Vincent Van Gogh[5] (sobre Van Gogh, assista ao filme: “Van Gogh – vida e obra de um gênio” no Link: https://www.youtube.com/watch?v=35mkBpAwnAw ) e Edvard Munch, que procuravam através da organização das cores revelar o mundo interior dos seres representados.

Edvard Munch, O Grito, 1893, óleo sobre tela.

A deformação dos corpos, o uso de cores que são referenciadas pela condição psicológica destes artistas, a busca por temas que tratam da existência humana, a valorização da linha, do empastelamento da tinta e o gestual, são as marcas deste movimento plástico que se estendeu para o Teatro e Cinema (temas que debateremos em outro momento).
Envolvidos em grupos ou isoladamente, artistas entre as décadas finais do século XIX e início do século XX, manifestavam a sua condição existente em suas telas. Isso mesmo, condição existente. De todos esses artistas, talvez, o que melhor expresse a definição expressionismo, seja o pintor norueguês Edvard Munch. Sua pintura mais famosa é “O Grito” (1893) [6].  Nesta pintura, um ser angustiado manifesta em um grito gutural o seu sofrimento, como pode-se ler nas linhas do próprio pintor sobre a produção deste trabalho:

“Passeava com dois amigos ao pôr do sol quando
o céu ficou de súbito vermelho-sangue.
Eu parei, exausto, e inclinei-me sobre a vedação.
Havia sangue e línguas de fogo
sobre o azul-escuro do fiorde e sobre a cidade.
Os meus amigos continuaram,
mas eu fiquei ali a tremer de ansiedade
e senti o grito infinito da Natureza.”.
Edvard Munch[7]



Enquanto isso na França...

Em outubro de 1903, depois de receber a notícia da morte de Gauguin[8], Maurice Denis publicou na Revista Occident um artigo sob o título “L’influence de Paul Gauguin”. Entre outras coisas ele escrevia nesse artigo: “O nome de Gauguin nos foi revelado no início de 1888 por Sérusier, um do grupo de Le Pouldu, que voltando de Pont-Aven, nos mostrou não sem algum mistério, a tampa de uma caixa de charutos na qual via-se uma paisagem disforme, por ter sido sinteticamente formulada em roxo, vermelhão, verde-veronês e outras cores puras, da forma como saem do tubo, sem mistura com o branco: Como veem essa árvore? Dissera Gauguin  diante de um canto do bosque d’Amour. Verde? Então coloquem um pouco de verde, o mais belo verde que tiverem na paleta. E essa sombra? Um tanto azul? Não tenham receio de pintá-la com o azul mais intenso possível...’ Assim descobrimos que toda obra é uma transposição, uma caricatura, o equivalente apaixonado de uma sensação recebida... Eles nos libertava de todo e qualquer embaraço que a ideia de copiar trazia a nossos instintos de pintores... Se era permitido pintar com o vermelhão aquela árvore que, naquele instante, se mostrara aos nossos olhos de um vermelho vivo, porque não traduzir, exagerando-as, as impressões que justificam as metáforas dos poetas; afirmar até a deformação a curva de um belo ombro, intensificar a candura perolada de uma pele., enrijecer uma geometria de galhos não agitados pelo vento?..” (MICHELE, 1991, pp. 62-63)

Estavam dadas as bases do fauvismo. Tendência pictórica que surge pela primeira vez em 1905, em Paris, durante a realização do Salão de Outono, exposição na qual alguns jovens pintores foram chamados  pelo crítico Louis  Vauxcelles de fauves (feras), por causa da intensidade com que usavam as cores puras, sem misturá-las. Estavam dadas, ou melhor materializadas as influências primitivistas de Paul Gauguin na arte moderna. A cor bruta, a forma simplificada, tendendo a uma geometrização das figuras.
A realidade neste momento, tornou-se secundária, ou seja, a pintura passou a ser debatida nas telas destes pintores fauvistas como tinta-cor sobre suporte, a forma um sensação traduzida pela subjetividade do artista. Logo pode-se dizer que dois princípios regeram esse movimento artístico: a simplificação das formas das figuras e o emprego das cores puras. Por isso, as figuras fauvistas são apenas sugeridas e não representadas realisticamente pelo pintor. Da mesma forma, as cores não são as da realidade observada.  Fizeram parte deste movimento: André Derain, Maurice de Vlaminck, Othon Friesz e Henri Matisse.


André Derain (1880-1954), Associação de Londres, 1906, óleo sobre tela. Dimensoes 657x991 mm.


Reclining Odalisque (Harmony in Red), 1927
Henri Matisse (French, 1869–1954)
Oil on canvas; 15 1/8 x 21 5/8 in.
(38.4 x 55 cm)
O cubismo

Georges Braque, Mandora, 1909-10, óleo sobre tela.
Dimensões 71,1 x55,9 cm

Historicamente o cubismo se originou na pintura de Paul Cézanne (pintor do século XIX que transitou entre os impressionista, cuja a obra se caracteriza pelo estudo da forma), para quem a pintura deveria tratar as formas da natureza como se fossem cones, esferas e cilindros (sobre a proposta plástica deste pintor, assista ao documentário: “Os impressionistas – Paul Cézanne” nos links: https://www.youtube.com/watch?v=iJfcABWWYp4 e https://www.youtube.com/watch?v=s2K16-ZU3DI ).


Paul Cézanne, Vista de Gardanne,1885-1886.
fonte: http://www.artehistoria.jcyl.es/v2/obras/6080.htm 

O cubismo desdobrou esta teoria de Cézanne, a representação de seus objetos passaram a levar em consideração todas as partes do mesmo em único plano, como se este objeto estivesse aberto, representava-se o objeto sem nenhum compromisso de fidelidade com a aparência real deste. Decreta-se com o cubismo, o fim da busca da ilusão espacial criada pela perspectiva renascentista. Nas imagens acima, fica evidente essa transformação nas pesquisas da forma. Enquanto que na pintura de Cézanne (Vista de Gardanne) percebe-se a ênfase na geometria dos telhados em paredes das residências, que constroem uma perspectiva livre pautada nos volumes dos corpos, na pintura de Braque (Mandora), o que predomina são os sólidos, a geometrização do corpo. A abstração quase total da referência visual.
O cubismo enquanto tendência plástica se dividiu em duas correntes chamadas de Cubismo Analítico e Cubismo Sintético. O Cubismo Analítico foi desenvolvido por Pablo Picasso e Georges Braque, entre 1908 e 1911. Trabalhavam com poucas cores (preto, tons de cinza, marrom e ocre), tendo por objetivo principal a fragmentação total da forma (a pintura de Braque logo acima é um exemplo clássico deste fase cubista).


Pablo Picasso (1881-1973), Garrafa de Vieux Marc, Vidro, Guitarra e Jornal
Guitare, jornal, verre et bouteille, 1913Jornais impressos e tinta no papelDimensões: 467 x 625 milímetros

O Cubismo Sintético, foi uma reação destes pintores a sua proposta anterior, procurando tornar as formas outra vez reconhecível em suas pinturas. O Cubismo Sintético foi também chamado de Colagem por introduzir letras, palavras, números, pedaços de madeira, vidro metal e até objetos inteiros em suas pinturas.  Também fez parte do movimento cubista o pintor francês Fernand Léger.

O abstracionismo
A principal característica da  arte abstrata é a ausência de relação imediata entre as suas formas e cores e as formas e as cores de um ser. Atribui-se ao pintor russo Wassily Kandinsky o título de  iniciador dessa tendência com suas pinturas abstratas , sendo o seu primeiro trabalho nesta linha o quadro “Batalha”.


Kandinsky, Wassily. Batalha. 1910. Londres,
Tale Gallery

Em 1914, Kandinsky entrou em contato com os pintores russos Mikhail Larionov e Natalia Gontcharova que valorizavam as relações entre as cores sem se preocupar com a representação de um assunto.


Natalia Goncharova, Raionismo, Blue-Green Forest, 1913, Óleo sobre tela. Fonte: http://www.moma.org/ 

Outro grande nome do abstracionismo foi o também artista plástico russo Vladimir Tatlin, que sob influência cubista, passou a desenvolver em sua poética o trabalho com o vidro, metal e madeira, suas obras completamente abstratas são a base do movimento Construtivista.
O abstracionismo como um gênero de representação pode ser dividido em dois estilos: o abstracionismo informal, cujos sentimentos e emoções são predominantes, e tem em o Kandinsky seu principal representante. E o abstracionismo geométrico, em que formas e cores são organizadas no intuito de compor um arranjo geométrico, o seu principal expoente é o pintor holandês Piet Mondrian.
Segundo Alain Bonfand (1996), os iniciadores da arte abstrata foram Wassily Kandisnsky[9], Paul Klee[10], Malevitch e Piet Mondrian. Estes artistas trazem para a arte uma discussão extremamente contemporânea para os dias atuais: o problema do suporte. À medida que suas pinturas estabelecem o fim da pintura de cavalete, ao colocarem que a arte é mais que uma mera representação do mundo, mas sim uma ideia sobre este.  Nesta perspectiva, a ideia artística supera os limites físicos do quadro, possibilitando experiências com materiais de natureza diversa (vidro, ferro, concreto, madeira, acrílico).



Tatlin, Vladimir, Canto Counter-relevo (1914-1915).

Na composição plástica destes artistas abstracionistas, elementos como ritmo visual que é medido através da distribuição das formas e cores no plano visual, o equilíbrio (relação entre forma e espaço) transforma-se no problema central desta nova estética. O abstracionismo se caracteriza por ser uma tendência internacional, cujos problemas da forma são levados ao extremo da racionalidade.


O futurismo

O Futurismo como vertente modernista da arte, foi introduzido por Filippo Marinetti, em 1909 com o seu “Manifesto Futurista[11]”. A principal característica desse manifesto era exaltação da velocidade, energia e da força. O manifesto trazia uma fortíssima crença no progresso científico-tecnológico, anunciando uma nova concepção estética, simbolizada por exemplo, no automóvel, projetando-se no futuro.

Carlo Carrà (italiano, 1881-1966), Choques de um táxi, 1911Óleo sobre tela, Dimensões: 52,3 x 67,1 centímetros. Fonte: http://www.moma.org/collection/browse_results.php?criteria=O:AD:E:987&page_number=2&template_id=1&sort_order=1

Destaca-se nesse manifesto algumas passagens que tornarão mais compreensível essa crença na máquina.
Publicado em 20 de fevereiro de 1909, no jornal Le Fígaro, o manifesto em seu primeiro item anunciava a crença na energia (1. Nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito da energia e da temeridade.) que metaforicamente refere-se a força que move o progresso, o dinamismo. Essa ideia é reiterada já no segundo item, ao referir-se a ideia de rebelião, a insurreição de uma nova estética, ou comportamento estético que rompesse com a tradição (2. A coragem, a audácia, a rebelião serão elementos essenciais de nossa poesia).

É explícita a ênfase na velocidade produzida pela máquina, veja no quarto item:

4. Nós afirmamos que a magnificência do mundo se enriqueceu de uma beleza nova: a beleza da velocidade. Um automóvel de corrida com o seu cofre enfeitado com tubos grossos, semelhantes a serpentes de hálito explosivo… um automóvel rugidor, que parece correr sobre a metralha, é mais bonito que a Vitória de Samotrácia.

É o homem moderno, e o estilo de vida do homem moderno, urbano e tecnologicamente desenvolvido que é exaltado (lembrem-se nesse período a eletricidade, os motores a combustão de fosseis, o cinema e a fotografia, a metralhadora e outras novas tecnologias já representavam um mundo dinâmico, ou muito mais dinâmico do que já fora visto). O manifesto é uma negação a tudo aquilo que Marinetti considerava retrogrado, e em seus termos, estático.
A dinamicidade trazia no cerne do manifesto a idéia de renovação constante, de uma arte de ruptura.

9. Queremos glorificar a guerra – única higiene do mundo –, o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos libertários, as belas ideias pelas quais se morre e o desprezo pela mulher.
10. Queremos destruir os museus, as bibliotecas, as academias de toda a natureza, e combater o moralismo, o feminismo e toda a vileza oportunista e utilitária.

Nos itens acima percebe-se claramente a proximidade que o pensamento futurista de Marinetti mantinha com o fascismo na Itália (encontrando também na França artistas que compartilhassem desses ideais fascistas). Além, do repúdio a tradição, representada no item 10 pelos museus e bibliotecas.
É de se notar que o pensamento de Marinetti que inicialmente se voltou à literatura, encontrou dentro da arte italiana do período espaços para penetrar em outras linguagens. O manifesto de 1909 foi o primeiro de muitos, todos publicados entre os anos de 1909 e 1916. A decadência de movimento se deu após a I Guerra Mundial, mas como todo movimento cultural, deixou ecos, e sua principal herança foi o caráter ruidoso e inquieto que se manifestará claramente na arte dadá.
Suas características nas artes plásticas estão diretamente relacionadas com a tentativa de refletir o ritmo e o espírito da sociedade industrial.
Para expressar a velocidade os artistas futuristas recorriam a repetição dos traços das figuras.

O datilógrafoAnton Giulio Bragaglia (Italiano, 1890-1960)Data: 1911, Médio: Gelatina de impressão de prata. Dimensões: Imagem: 11,9 x 16,7 cm (4 11/16 x 6 9/16 pol) Folha: 12,8 x 17,8 cm (5 1/16 x 7 polegadas). Fonte: http://www.metmuseum.org/collection/the-collection-online/search/286592


Nos trabalhos fotográficos de Anton Giulio Bragaglia (1890 – 1960), procura-se o movimento, ou seja, o corpo em deslocamento dentro do registro da imagem[12]. Em suas reflexões em “A fotodinâmica futurista” Bragaglia afirma que:

Logo que sentimos a beleza do movimento, eu e meu irmão Arturo, que possuíamos de maneira suficiente a ciência fotográfica, reconhecemos a atitude dos meios mecânicos desta para estudar o movimento e para criar uma arte futurista, rapidamente fecunda e aderente às necessidades modernas.
Instituindo, pela mais perfeita representação do movimento, novos sistemas técnicos que, no decorrer do tempo, viriam a ser aperfeiçoados, criamos, portanto, aquela que chamamos de Fotodinâmica, que inicia hoje os primeiros passos em direção ao futuro. Queremos fotografar a vida nos seus movimentos inumeráveis, enquanto ela se precipita antes sob a forma humana ou mecânica.
(...)
Enojados pela cadavérica imobilidade das representações na arte, preferimos fotografar em movimento, mesmo as coisas paradas, assim como as vemos, na correria dos nossos dias vertiginosos. Por isso detestamos a fotografia glacial e racionalmente seguimos, na nossa Fotodinâmica, gestos essencialmente futuristas. (publicado no “Noi e il Mondo”, 1 de abril de 1913)


'Unique Forms of Continuity in Space[13]',
bronze sculpture by Umberto Boccioni, 1913,
Museum of Modern Art (New York City)

Na escultura, os artistas futuristas fazem trabalhos experimentais com vidro e papel e seu expoente é o pintor e escultor italiano Umberto Boccioni. Um marco referencial de sua proposta escultórica e a peça “Formas Únicas na Continuidade do Espaço” (1913), na qual a figura é cortada por intersecções de volumes distorcidos na tentativa de se criar a ilusão de movimento e de força. 



Dadá e surrealismo

Revista Der Dada

O movimento Dadaísta, surgiu como um movimento literário de artistas, intelectuais e escritores, exilados em Zurique, que se manifestavam contrários à participação de seus países na Primeira Guerra Mundial.
O Dadaísmo consistia em um grupo de escritores, poetas e artistas plásticos –  dois deles desertores do serviço militar alemão – liderados por Tristan Tzara, Hugo Ball e Hans Arp. Também pertenciam a esse grupo os artistas Marcel Janko e Hans Richter. Hugo Ball fundou em Zurique o Cabaret Voltaire em 1916, que se tornaria a sede do primeiro grupo dadaísta, o clube seria destinado às manifestações artísticas de vanguarda.
Neste cabaret, desenvolveram uma série de atividades que rapidamente ganhou notoriedade devido o seu caráter provocativo – a coisa toda alcançou Paris, NY, Berlim e vários outros lugares. Suas propostas experimentais voltavam-se para experiências estéticas pautadas no acaso, e no absurdo, o que revelava nas ironias as tendências antirracionalistas do grupo.

Hugo Ball, On Dada (performance) 1916[14]

Eram comuns no dadaísmo as colagens autômatas. Em 1919 surge a revista “Der Dada” (O que é Dada?) com uma função informativa do movimento. Surge com a revista a afirmação da antiarte. O que promovia um debate sobre a própria instituição do sentido no campo da arte, assim como as novas possibilidades de vivências estéticas.
O carro chefe do Dadaísmo está centrado na obra de Marcel Duchamp, especificamente, os seus ready made.
O termo ready made refere-se aquilo pronto, ou seja, objetos que o artista toma posse e o resignifica dando-lhe o estatuto de objeto de arte.

Fontaine Replica of Marcel Duchamp.
Musee Maillol, Paris, France. (1917)

Deve-se ressaltar que o objeto (ready made) não é produzido pelo artista, e sim apropriado e é o artista quem o classifica como sendo objeto de arte ou não. Isso era uma resposta clara à instituição Arte, com os seus salões, ateliês, curadores e Liceus. O gesto de Duchamp foi uma crítica à arte a partir do próprio trabalho de arte. Observe o exemplo acima. Como uma peça de louça de banheiro pode ser considerada um objeto de arte?
O que Duchamp fez para transformar um urinol em objeto de arte, retira-lo de seu plano funcional (louça de banheiro masculino) para o simbólico (atribuindo-lhe o titulo de “A fonte” e o enviando ao salão para ser julgado não como uma loca de banheiro, mas sim, como um objeto de arte).
Note como A fonte (o urinol) se transformou em objeto de arte:

Em 1917 foi fundada em Nova Iorque a nova sociedade a nova Society for Independent Artists […] Qualquer pessoa que pagasse seis dólares podia apresentar dois trabalhos. Duchamp era um dos diretores do grupo, mas como ele não gostava da organização, decidiu provocar os responsáveis pela escolha e exibição dos objetos, ao apresentar a Fonte sob pseudônimo.
A Fonte era um urinol de porcelana de um modelo que, quando montado numa casa de banho público (banheiro), só poderia ser usada para um homem urinar de pé. (...) Duchamp limitou-se a comprar o urinol (...). Assinou a base, logo a seguir o buraco do cano: R Mutt.
A Fonte nunca foi exposta (...) apesar de R. Mutt ter pago seis dólares a peça nem sequer foi mencionada no catálogo.(MINK, 2000: p. 63-67) 

Os ready-made foram criados não para serem julgados se são belos ou feios, mas para fazer o espectador refletir sobre o que vê. Não é pertinente aqui discutir sobre sua beleza ou feiúra, porque não são obras, mas signos (ou objetos-signos) de interrogação ou de negação diante das obras.

Man RayObjeto indestrutível 1923, refez 1933, réplica editioned 1965

Fonte: http://www.tate.org.uk/art/artworks/man-ray-indestructible-object-t07614


O Dadaísmo propunha que a criação artística se libertasse das amarras da racionalidade e que fosse apenas o resultado do automatismo psíquico. O Dadaísmo e sua proposta de automatismo propiciaram o surgimento do Surrealismo, na França, em 1924, último dos movimentos denominados de vanguardas artísticas europeias. 
Encabeçados pelo poeta e escritor André Breton, os artistas surrealistas assumiram o automatismo psíquico como a base de seu processo criativo, desta forma a imagem resultante desta relação não têm uma relação direta com a razão, com a moral e à própria preocupação estética.

A crítica à racionalidade burguesa em favor do maravilhoso, do fantástico e dos sonhos reúne artistas de feições muito variadas. Na literatura, além de Breton, Louis Aragon, Philippe Soupault, Georges Bataille, Michel Leiris, Max Jacob entre outros. Nas artes plásticas, René Magritte, André Masson, Joán Miró, Max Ernst, Salvador Dalí, e outros. Na fotografia, Man Ray, Dora Maar, Brasaï. No cinema, Luis Buñuel. Certos temas e imagens são obsessivamente tratados por eles, com soluções distintas, como, por exemplo, o sexo e o erotismo; o corpo, suas mutilações e metamorfoses; o manequim e a boneca; a violência, a dor e a loucura; as civilizações primitivas; e o mundo da máquina. Esse amplo repertório de temas e imagens encontra-se traduzido nas obras por procedimentos e métodos pensados como capazes de driblar os controles conscientes do artista, portanto, responsáveis pela liberação de imagens e impulsos primitivos. A escrita e a pintura automáticas, fartamente utilizadas, são formas de transcrição imediata do inconsciente, pela expressão do "funcionamento real do pensamento" - como, os desenhos produzidos coletivamente entre 1926 e 1927 por Man Ray, Yves Tanguy, Miró e Max Morise, com o títuloO Cadáver Requintado). A frottage [fricção] desenvolvida por Ernst faz parte das técnicas automáticas de produção. Trata-se de esfregar lápis ou crayon sobre uma superfície áspera ou texturizada para "provocar" imagens, resultados aleatórios do processo, como a série de desenhos História Natural, realizada entre 1924 e 1927.
(ITAU-CULTURAL, 2008)

São manifestações do subconsciente, absurdas e ilógicas, como imagens de sonhos e alucinações.



Referencial bibliográfico

ALLEY, Ronald. Catálogo da Colecção da Tate Gallery of Modern Art diferente Obras de artistas britânicos, Tate Gallery e Sotheby Parke-Bernet, Londres 1981.

BONFAND, Alain. Arte Abstrata. Campinas, Papirus, 1996.

GOGH, Vincent Van. Cartas a Théo. Tradução: Pierre Ruprecht. Porto Alegre, LP&M Pocket, 2002.

MINK, Janis. Marcel Duchamp. Tradução: Zita Moraes. Colônia: Taschen, 2000.

WOOD, Paul. Arte Conceptual. 1° edição. Tradução: Maria das Graças Caldeira. Lisboa: Editora Presença, 2002.

FER, B; BATCHELOR, D; WOOD, P. Realismo, Racionalismo e Surrealismo: a arte no entre-guerras. São Paulo, Cosac & Naify Edições, 1998.

CABANNE, Pierre. Marcel Duchamp : engenheiro do tempo perdido. São Paulo: Perspectiva, 2001.

MICHELI, Mario. As Vanguardas Artísticas. Tradução: Pier Luigi Cabra. São Paulo, Martins Fontes, 1991.



[1] Filme escrito e dirigido por Charles Chaplin. Produção de Patríciu Santans, Estados Unidos, 1936. Pelicula em preto e branco, 87 minutos de duração. Elenco: Charles Chaplin, Paulette Goddard, Henry Bergman, Stanley Stanford, Chester Conklin. Música de CharlesChaplin. Estúdio: United Artists. Lançamento official do filme em 5 de fevereiro de 1936, no Rivoli Theater, Nova Yorque, Estados Unidos.
[3] De acordo com Ronald Alley em catálogo da Colecção da Tate Gallery of Modern Art (1981, p.671), Karl Scmitdt-Rottluff foi um pintor, gravador, litogravurista e escultor expressionista alemão, que tinha como tema de suas pinturas, paisagens e natureza morta. Nascido próximo Chemnitz, Saxonia. Estudou Arquitetura na Escola Politécnica de Dresden entre 1905-6. Através de sua amizade com Heckel conheceu Kirchner e Bleyl. Esses quatro artistas fundaram em junho de 1905, o grupo "Die Brücke" (A Ponte). 

[4] Pintor expressionista, desenhista e litógrafo de retratos, paisagens e temas figura; autor de várias peças e outros escritos. .Nascido em Pöchlarn, Áustria, da República Checa e ascendência austríaca. Estudou na Escola de Viena de Artes e Ofícios 1905-9. Suas primeiras pinturas e peças de teatro despertou intenso antagonismo, mas ele foi ajudado por Adolf Loos, com a ajuda de quem ele recebeu suas primeiras comissões para retratos; desenhos também contribuiu para o periódico Der Sturmde Berlim. Primeira exposição individual na Galerie Paul Cassirer, Berlim, 1910. Movido em 1917 para Dresden e lecionou na Academia Dresden 1919-1924 (ELLEY, 1981, p. 391). 

[5] Para compreender essa relação de Van Gogh com a sua arte leia:

[8] Sobre Paul Gauguin, ver obras no link: http://www.metmuseum.org/toah/hd/gaug/hd_gaug.htm
Assista ao documentário “Os impressionistas – Paul Gauguin
[9] Entrevista com Luiz Roberto Lopredo comentando Kandinsky, assista no link: https://www.youtube.com/watch?v=TZ8BLs2_a_g
[10] Vídeo Paul Klee – O Diário de um artista, assista no link: https://www.youtube.com/watch?v=tI-mW8mZfjU
Síntese do vídeo: O programa entra na intimidade do artista plástico Paul Klee por meio das páginas de seu diário para entender sua relação com a arte. Através de suas histórias de vida na Alemanha nazista, da vida familiar, da influência de grandes artistas como Kandinski e movimentos como o expressionismo e o cubismo, conhecemos um pouco mais o pintor e entendemos como suas ideias, sua curiosidade e seus métodos o levaram a se tornar um dos maiores pintores do século XX.
[13] Vídeo expondo todos so ângulos da Forma Única em Continuidade no espaço:
[14] On Dada, assista a performance de Hugo Ball: https://www.youtube.com/watch?v=m7QspfFDdmU

Um comentário:

  1. Caro visitante, poste seus comentários nesta área, pois eles são a base para melhorarmos os textos e a qualidade do material que compartilhamos prazerosamente com vocês.
    Professor André Camargo Lopes.

    ResponderExcluir